Do O Globo – Grupos de procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) têm monitorado publicações e denúncias que envolvem algum tipo de coação eleitoral a funcionários. Desde antes do primeiro turno há uma série de acusações sobre atos que vão desde ameaça de demissão ou pagamento de bônus, a depender do resultado da eleição.
O MPT ainda não tem um levantamento nacional das denúncias que recebeu, mas Adriane Reis, coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades (Coordigualdade) do MPT, afirma que notou um aumento de denúncias com a aproximação da votação de domingo passado, e que se preocupa com a possibilidade de avanço deste tipo de prática com a chegada do segundo turno.
Isso é crime eleitoral. Tem muita gente que acha que o fato de dizer que vai pagar uma bonificação num contrato de trabalho estaria fora dessa hipótese do crime. Se eu estou vinculando, eu tenho duas situações: a campanha eleitoral dentro do ambiente de trabalho, que já não pode, e o uso de uma ferramenta que, por último, se configura compra de votos — diz Adriane.
A possibilidade de crime, neste caso, é ampla, explica a procuradora:
O GLOBO listou casos de denúncias de coação eleitoral que foram motivos de representações ao Ministério Público depois de divulgadas em redes sociais. Todas as empresas citadas foram procuradas pela reportagem, mas não retornaram o pedido de entrevista.
Pode ser uma ameaça direta, como é o caso de demissão, mas também o constrangimento por meio de uma promessa, como benefício ou salário.
Logo após o primeiro turno, circularam memorandos de empresas afirmando que se este resultado – com Lula à frente – se confirmar, reduzirão o orçamento para o próximo ano, o que vai acarretar em novo planejamento, com corte de pessoal e redução de investimentos, segundo denúncias. Este foi o caso, segundo as acusações, das empresas gaúchas Stara e Mangueplast.
No Pará, o empresário Maurício Lopes Fernandes Júnior, da Cerâmica Modelo, foi filmado oferecendo um pagamento de bônus aos funcionários.
“Nós temos que nos unir para que Lula não ganhe. Porque se ganhar, mais da metade das cerâmicas de São Miguel vai fechar. Eu sou um que tenho três cerâmicas aqui e vou fechar as três cerâmicas se ele ganhar, porque ninguém vai aguentar o pepino que vem”, disse no vídeo que circulou nas redes sociais, no qual ofereceria R$ 200 de bônus aos funcionários no caso de vitória de Bolsonaro.
Uma colaboradora da Ferreira da Costa, uma empresa de produtos para casa do Nordeste, declarou em suas redes sociais que não adiantaria pedir emprego para ela em caso de vitória de Lula. A postagem acabou acarretando na sua própria demissão. Em comunicado nas redes sociais, a empresa afirmou não compactuava com atitudes ofensivas ou discriminatórias.
“Houve uma postagem de uma colaboradora em sua rede social pessoal, que não dialoga com nossos valores. Informamos que a referida colaboradora não faz mais parte do quadro da empresa”, diz o texto divulgado pela Ferreira da Costa.
Trabalhadoras domésticas são grupo mais vulnerável.
Na análise da procuradora Adriane Reis, pode haver subnotificação dessas situações de coação eleitoral. Quatro casos relatados ao GLOBO, por exemplo, não foram registrados no MPT. Todos envolvendo empregadas domésticas.
A trabalhadora doméstica Rosane Freitas, de 57 anos, discutiu com o patrão assim que chegou no trabalho. Depois de vasculhar as redes sociais da funcionária e descobrir que ela votaria em Lula, o empregador a colocou contra a parede e ficou furioso ao ver que Rosane não mudaria de opinião.
Na Paraíba, a empregada Carla Santos, de 43 anos, conta que sempre escolheu os mesmos candidatos que a patroa, mas disse que votaria diferente em 2022. A pressão para que ela votasse no candidato da família foi tanta, que Carla deixou de ir ao trabalho e foi demitida por abandono de função.
Algo parecido aconteceu com a babá Priscila Costa, 29 anos, também da Paraíba. A doméstica decidiu ir contra a escolha dos patrões e foi ameaçada de demissão.
Ainda que o voto seja secreto, as mulheres dizem ter medo dos empregadores, porque os consideram “muito inteligentes”.
Certamente há subnotificação. A categoria é formada por muitas pessoas que começaram a trabalhar quando crianças e não tiveram acesso à educação. A baixa remuneração também interfere nas formas de se buscar acesso à Justiça, porque essas mulheres não conhecem os canais de denúncia — explicou a procuradora.